Maracanã

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domingo, 19 de julho de 2009

Papai Ulysses, unforgetable...que saudadeeeeee!!!


a foto é do meu niver, em 2006, quando eu fiz 57 anos



Revisitando "Seu" Ulysses, afinal, aí vem o dia dele, em agosto!
Bem, não é nada fácil, convenhamos, porque a morte, uma separação em vida, um desaparecimento estranho, um mistério insondável, uma tentativa de explicar o destino de nós todos, é , ao mesmo tempo, o instante de valorizar o patrimônio afetivo que a vida perpetua.
Assim é com cada herói ou heroína, na história do mundo e na memória pessoal de cada um. Um pai-herói, já disseram por aí, faz a diferença, na auto-estima de qualquer criança, que mesmo ao vira adulto, não esquecerá jamais os melhores momentos de aconchego ou ensinamento.
A lição que fica é mesmo a do amor incondicional, da dedicação em forma de energia positiva, que todo Pai emite para quem saiu do seu sêmen, quem se projetou do seu gen, quem se fez criatura e lhe imita incosncientemente gestos, ou lhe herdou cacoetes, gostos, teimosias, aptidões, sensibilidades, e até perplexidades...
Não fujo à regra. Sou a filha que revisita hoje o pai "ausente" que está mais presente do que eu podia esperar, ainda bem...Ele continua a me surpreender, fazer rir e emocionar, alternando com seu jeito carinhoso, não só o meu humor, mas a minha postura diante da vida, minha necessidade de me reprogramar, diariamente, para que eu seja feliz, aliás, foi o que sempre ouvi-o repetir, todo o tempo...
Fazia trocadilhos infames, me levava às gargalhadas, contava e recontava enredos de filmes e de livros que lera ou assistira há mais de 50 anos, e, quando eu estava ensimesmada, com meus problemas corriqueiros, ou de trabalho, ou de correria da loucura estressante que é o dia a dia, ele me rondava, como um beija-flor, me espreitava como um observante atencioso até que eu explodia em riso...
Aí, ele se mostrava realmente satisfeito...me fizera rir...
Apesar de, ultimamente, a saudade dele me levar, constantemente ao choro fácil, eu assumo que é difícil reencontrar aquele sorriso delicioso que ele me provocava, mas, em momentos mais calmos, consigo já, esboçar a alegria que vem dele, que ele me ensinou a ter, diante das pequenas coisas, dos infames trocadilhos, das canções galhofeiras, e das emoções que a música clássica lhe proporcionou.
Noutro dia, arrumando suas fitas cassetes, encontrei uma, que ele, provavelmente gravou pouco antes de partir, e , vi que o título da fita é Cidinha, como me chamava.
Curiosa, pus no aparelho de som, e um misto de sentidos me tomou dos pés à cabeça. E ouvi... tenho ouvido de vez em quando...
Ele selecionou assim:
lado A: Quiera mi quiera, Lili-ato I, Manon Lescau, atos I, II e IV, Tosca, Mme Butterfly, Soror Angelica
lado B: Soror Angelica ( final), Turandot ( Puccini), Bolero ( Ravel).
Certamente que "Seu"Ulysses não teve chance de me entregar, misturou nas suas fitas todas, mas ele sabia que um dia eu ia achar esse presente, um gesto de grande carinho seu, pois ele sabia que eu ia adorar ter uma seleção assim, para escutar durante minhas horas de escrita, como agora estou fazendo, compartilhando com tantos amigos e amigas, e , ainda por cima, revisitando o meu bom amigo, meu velho Pai, porque afinal, herdei dele, a alegria de viver e faz escrevi o texto aí embaixo, com a alegria de tê-lo tão próximo, como agora, nada mudou...
Cidinha

Sunday, August 13, 2006
“Seu” Ulysses, meu amado Pai!

Ontem, fomos juntos à sapataria. Dei-lhe o braço, ele sentia-se trôpego, mas, no auge dos seus 84, ainda se gaba de ir ao centro da cidade sozinho, andar pelas ruas à procura dos melhores cds de música clássica que ele coleciona. Os lojistas já o conhecem pelas bandas da Av. Passos, onde ele compra o Mozart eterno, que costuma escutar, absorto, com os fones de ouvido que lhe ajudam muito depois da perda gradativa da audição. Se a gente chega no seu quarto de trabalho (chamemos assim) lá está ele. Pode ser hora do lazer, e aí vê-se o velho Ulysses, viajando no encantamento da música, ou assistindo a alguma partida de futebol na TV, ou quem sabe, rindo-se muito das palhaçadas de algum filme do Gordo e o Magro, seus preferidos.

Entretanto, como bem procurei definir, ali é lugar mesmo é de trabalho, e lá estão suas “trocentas” pastas históricas, os fichários bem cuidados, os escritos sobre contabilidades várias, as caixas de documentos arrumados impecavelmente e re-arrumados, temporariamente. Apega-se aos detalhes, muda a cor da caneta, “azul” para assuntos corriqueiros,“vermelho”, para os importantes, e lápis preto, com a borracha sempre à mão, quando o tema é provisório, o popular rascunho.

De repente, no meio das suas tarefas, me telefona: -Cidinha, onde está o comprovante do pagamento da conta de abril de 2004, da luz, da casa da rua Maxwell, a que está em obras?

- Pai, mas isso faz mais de 2 anos! E ele me responde que tem tudo arquivado, mas que está faltando exatamente essa, e não se intimida, me mandando procurar para que ele complete suas pastas de documentos.

Pode ser que esteja no quintal da casa de vila onde mora com minha mãe, com quem é casado há mais de 58 anos. Aí, ouve-se o barulho de martelos, serrotes, lixas deslizando na madeira, e, ao se chegar perto, o que se vê é um senhor magro, curvado sobre o trabalho de carpintaria, trajando, geralmente, avental e luvas, atento ao que faz, dedicado a criar uma nova mesinha, ou um banco esmerado, que só estará pronto depois de envernizado e testado seu nível, com a precisão de um artesão exigente.

Ontem, na sapataria, comprei seus presentes. Uma sandália moderna, rasteira, fácil de fechar, com velcron que possibilita o ajuste, uma vez que seus pés, agora tem inchado um pouco. Mas, também, ele gostou e ganhou de um lindo par de sapatos pretos, de amarrar, social, em estilo tradicional, que o lembra, seguramente, dos tempos em que se vestia de terno e gravata e ia para o escritório labutar, com elegância.

Levei-o de volta à casa, tentei segurar o pacote com as duas caixas de sapatos, e ele brincou: - É meu o presente, não é? Se você me deu mesmo, deixa que eu levo.

E levou, sim, todo feliz, pelas ruas do bairro, mão apoiando meu braço, falante sobre a vida, traçando planos para o resto do dia, perguntando-me se estou cuidando da minha saúde, cobrando-me ser feliz, como sempre.

Hoje, mais tarde, vou abraçá-lo, junto com meu irmão, filho e sobrinhos.

A família vai se reunir em torno do “Seu” Ulysses, que, com certeza, aproveitará para reclamar conosco sobre as taxas absurdas cobradas pelos bancos. Tema recorrente que o faz figura conhecida na mesa do gerente da sua conta bancária, quando confere cada centavo do seu extrato e descobre que a taxa de 3 ou 5 reais, foi cobrada indevidamente por duas vezes e reclama estorno imediato do que ele classifica de “roubalheira”.

Mas, no fim do ano, lá vai ele, cheio de caixinhas, geralmente de perfumes, presentear as meninas do banco, que o atendem com presteza e reverência por todo o ano.

Quanto a nós, seus filhos e netos, como não reverenciar uma criatura assim, tão especial, que até reclamando da vida, é capaz de mostrar um horizonte de felicidade, no sorriso que nos cobra.

É comum, que ele me ligue para o celular, eu , em plena atividade da loucura diária, e me diga assim: Minha boneca, liguei só para ouvir você rir, agora, já posso desligar!

Aparecida Torneros
Jornalista- RJ

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