Maracanã

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Como uma colegial ( conto )


Como uma colegial
Cida Torneros




Marie chegou apressada. Desceu as escadas em espiral do velho prédio da rue de Remmes. Ansiosa, foi encontrar o homem que a fazia comportar-se, ultimamente, como uma colegial.


Sentia-se de saias curtas, saltitante, risonha e bobalhona, à espera de um beijinho ou de uma brincadeira adolescente. Assim, quando ele a olhou tão carinhosamente, ela se viu abraçada e beijada, provou o gosto do dentifrício, o cuidado do sentimento crescente, a presença dadivosa de um Papai Noel, pois ali estava o seu Antoine, com uma sacola cheia de presentinhos. A menina curiosa foi brotando da mulher madura, cada surpresinha que saía da sacola era como um jogo de adivinhação.



Chaveirinhos, perfumes, sabonetes, uma camisa de jogar futebol, canetas, cartões postais, uma miniatura de um carro de corrida, as risadinhas que ela desprendia, os minutos de alegria, as promessas de amor, o encontro finalmente realizado.

Então, o dia aconteceu e as horas de Paris a eles foram dedicadas. Mãozinhas dadas, muitos percursos de Metro, a partir da estação San Placide, a visão extasiada da juventude que os revisitou. Seu caminho se transformava assim como uma corrida de revezamento, traçavam planos para tornar aqueles instantes não só inesquecíveis, mas realmente eternos.



Depois de caminharem muito a pé, passar pela Sorbbone, onde ele apontou o lugar das barricadas de 68, que ele presenciou, atônito, como um jovem imigrante sul-americano, incrédulo e testemunha dos novos tempos. Alcançaram o Quartier Latin e entraram num restaurante para almoçar, com direito a vinho e cerveja. Ela se pegou, mais uma vez, como uma menor de idade, transgredindo regras, com gosto de abuso de autoridade, era como se tivesse completado 17 anos na semana anterior, e seu professor com quase 30 anos a levasse para um restaurante de gente grande.



Brindaram ao amor, beijaram-se sobre a mesa, erguendo-se para juntar suas bocas no céu que flutuava acima dos pratos, cuja comida, um purê e alguma carne, degustavam tão lentamente, entrecortando com múltiplas palavras de amor, com olhares cúmplices, e a doce expectativa da ida, pela primeira vez, juntos, a um hotel.


Aí, ele a levou em seguida ao Café de Flore, para degustarem um cafezinho à moda dos existencialistas, Sartre e Simone, que frenquentaram aquele lugar, nas décadas de 50 e 60. A vida lhes tornava tão apaixonados, repentinamente, disso agora, tinham certeza, o melhor ainda estava por vir, acreditavam. Mais algumas histórias pessoais foram trocadas, intensos toques de mãos e bocas, prepararam-se para a entrega de almas e corpos, continuaram a voar pela imensidão que os levava a planos nunca atingidos antes.


Quando chegaram ao quarto para concretizar sua louca paixão, parecia que as canções da sua mocidade voltavam à parada de sucessos. Ambos se transportaram a, pelo menos, 40 anos antes, era como um reencontro no tempo, uma viagem ao passado, com gosto de futuro.


Ela se viu seduzida, intimamente realizada, desabrochando como fêmea, ainda que já fosse comemorar 60 anos, alguns meses à frente, Marie, nos braços de Antoine, era mesmo, e até ele sussurrou e confirmou: - Como uma colegial!

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