Maracanã

Maracanã

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Modéstia à parte, meus Senhores, sou da Vila...





Nem dá pra comparar a Vila com qualquer outro bairro do Rio... O tal "feitiço sem farofa", que o Noel Rosa definiu tão bem, tem a ver com a origem, por exemplo do jogo do bicho, inventado, sorrateira e expertamente, pelo Barão de Drummond, que também criou o primeio jardim zoológico do Rio. Hoje, ali está um parque onde, há 30 anos, levei muito meu filho pra brincar e fotografar. Fica aos pés do Morro dos Macacos, palco da comunidade que engrossa as alas festivas nos carnavais da Unidos de Vila Isabel, cujos ensaios na grande quadra localizada no Boulevard 28 de setembro, são verdadeiras aulas de samba, de alegria e de empolgação.

Caminhar pelas calçadas da Vila é resgatar mais de 200 anos de história carioca, no mais popular enredo que isso possa nos oferecer, como por exemplo na rua em que moro, a Maxwell, que tem no número 300 um grande mercado funcionando onde antes era a fábrica de tecidos Confiança, imortalizada pelo Noel com a canção "Três apitos".  Os apitos continuam tocando, sinalizam que a Vila permanece ligada na sua história, e na sua alma intensamente cultivada por seus poetas como é o caso do Martinho da Vila, por exemplo. Este, com talento de sobra, é figurinha com quem a gente esbarra por aí, nas tardes-noites, e pode visitar o Botequim do Martinho, que funciona no shopping Iguatemi, na rua Teodoro da Silva, rua em que morou Noel Rosa. Nessa rua,  vive minha mãe, agora com 83 anos,  numa tradicional vila de casinhas humildes e aconchegantes. 

Gosto de observar o bairro na hora em que acorda. Trânsito caótico para desembocar nas vias que dão acesso ao Maracanã , Praça da Bandeira e ganham o rumo do centro nervoso da cidade. Tem criançada correndo para não perder a hora das aulas, tem moça bonita indo trabalhar em escritório e comércio, já não existem as tais fábricas que foram desativadas, deixando saudades nos boêmios que voltavam da farra pelas sete da matina enquanto as donzelas operárias passavam por seus sonhos. 

Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos, eu me lembro de você...Você que atende ao apito de uma chaminé de barro, porque nao atende ao grito da buzina do meu carro?   

E pertinho da UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a imagem em forma de escultura, do Noel, sentado na mesa do botequim, sendo atendido pelo tal garçom a quem ele canta e homenageia em forma de galhofa, tal deliciosa Conversa de Botequim, lá estão os passantes e os figurantes. Como há uma cadeira vazia, todos se sentam um pouquinho ou para sacar fotos ou para reviver a cena contada nos versos do poeta da Vila.

Mas tem a chegada da noite, depois que a tarde pode ter sido de reza na igreja de N. Sra. de Lourdes, por que não dar uma passadinha no Petisco? Ali, costumo marcar com amigos e jogar conversa fora, bem na esquina da Visconde de Abaeté.  

Em frente, pra almoçar, muitas vezes pelas três da tarde de um domingo qualquer, vou ao Galeto, faço isso há mais de 30 anos, e tomo o chope mais bem tirado da região.

Mas,  nas noites perdidas de um sábado solitário, vamos eu e Deus comer o pastel e o risoto de camarão do Siri da Vila, na rua dos Artistas, onde mora meu filhão.  Claro que não ficamos sozinhos,  porque Deus logo me avisa: aí vem o Osmar, prepare-se para um bate papo daqueles.

Osmar é o meu garçom com ares de psicanalista, que me serve ali também há mais de três décadas, e a quem eu confidencio projetos, planos e disssabores. Ele, por sua vez, me conta a cada mudança de casa, troca de carro, viagem de férias á sua terra nordestina, e seguimos assim, amigos, em parceria que inclui até ele me lembrar, quando chega dezembro, que devo reservar a mesa para comemorar o aniversário do meu filho, que começou quando menino e agora já passou dos trinta.

Na Vila, minhas vizinhas ficam com as chaves da minha casa quando eu viajo. A gente é mesmo família por mais que isso possa parecer antigo. Se precisamos de carne, é só ligar para  o açougue da D. Leonarda, que ela envia o pedido, com tudo certinho e ainda pergunta se precisa de leite e pão, pois a camaradagem pode esticar os serviços extras no caminho do entregador.

Só moro na Vila há 35 anos. Tenho 60. Antes, morei no subúrbio, em Ramos, por 20, e antes da Vila, estive no Andaraí, guardando de ambos ótimas lembranças. 

Mas, como falei no princípio deste texto, não dá pra comparar a Vila com nenhum outro bairro, embora seja apaixonada pela praia,  e frequente o Rio inteiro, é pra Vila que gosto de voltar nas madrugadas insones, é na Vila que deito melhor a cabeça no travesseiro, e é na Vila que encontro meu irmão, cunhada e sobrinhos que também moram pertinho, quando fazemos algum churrasquinho ou festa de Natal.

No carnaval, os shows do Planeta do Chope, antecipam a festa. Os blocos de rua infestam as ruas do bairro, a alegria corre solta. Se tem tiroteio no morro, qualquer porteiro nos avisa mais depressa que a rádio Global, e nos bailes da terceira idade, da Associação Atlética Vila Isabel, se eu não "tô fazendo nada, vc também",  escapulo e vou lá, ouvir música ao vivo, dançar um pouquinho,  tipo dança de salão, e menina não paga. Mais um dos privilègios da vida na Vila, com direito a horário comportado das 18 as 22 horas, com gente alegre que já passou dos "enta" há muito tempo.

De repente, lembro que há canções cifradas nas calçadas, lembro que há uma vida na Vila que causa inveja, será?  E pergunto porque alguém iria dar um Palpite Infeliz, como cantou Noel, a respeito da Vila. Precisa perguntar? Tá na cara... né?
                               Cida Torneros   

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